Uma democracia estremecida
Tenho dedicado um certo esforço na tentativa de compreender as sombras que cercam nossa jovem democracia. Não direi frágil, apesar de não estar certa sobre a inadequação do termo. Mas não o utilizarei. Talvez por obstinação, teimosia ou simples pirraça. Direi apenas que nossa democracia é imatura, mas frágil não ousarei escrever, com medo de que essas palavras se tornem proféticas – não em função de algum dom desconhecido meu, mas talvez da falta de um.
A falsa promessa messiânica
O ponto é que nossa democracia passa por um momento de inflexão. Ela ainda resiste, o campo democrático possui formas de resistência dentro e fora das instituições, mas todo cuidado é pouco. Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista afirmou certa vez que “Essa será sempre uma das melhores piadas da democracia, que ela deu a seus inimigos mortais os meios pelos quais foi destruída”. E se me permitem, acrescentaria que: ainda mais trágico é o fato da democracia hoje sofrer agressões daqueles que dizem querer salvá-la. Um relacionamento um tanto abusivo, diga-se de passagem.
Ao se colocarem como escolhidos, personagens autoritários afirmam estar dispostos a fazer valer a vontade do “povo”, custe o que custar. Quem seria esse “povo”, contudo, é um tanto questionável. O “povo” não corresponde à população, e nem poderia. O “povo” é um grupo limitado que possui interesses e visões de mundo semelhantes. Os outros? São obstáculos que precisam ser superados para que uma falsa “democracia” possa prevalecer. É esta a missão messiânica que personagens autoritários afirmam perseguir.
Uma recusa em governar
Os que dizem querer trazer de volta a “verdadeira democracia”, o fazem destruindo as bases que permitem a existência do sistema democrático no mundo moderno, a começar pelas instituições. Em meio a tantos absurdos, as instituições precisam reagir com cada vez mais frequência e, justamente em função dessa frequência, reações cabíveis passam a ser ilustradas como intromissões indevidas. Nesse contexto, pasmem: personagens autoritários acusam as instituições de serem elas a fonte do autoritarismo. É mesmo como em um relacionamento abusivo, no qual o agressor culpa a própria vítima.
Somado a isso, tem-se a construção de uma narrativa na qual o Presidente seria impedido de exercer suas funções, não por inaptidão ou por desinteresse, mas em virtude de certas amarras institucionais que o paralisam.
Não é verdade. Se nada se faz em meio a uma crise é porque calcula-se que o custo político do erro seria maior que o da omissão, desde que essa omissão seja ilustrada, não como uma decisão consciente, mas como o resultado de forças maiores que impedem o Presidente de governar – às vezes essa culpa recai sobre o Judiciário, outras vezes sobre o Congresso, também é possível culpar a imprensa e porque não os governadores?
Por meio da omissão e, muitas vezes através de agressões calculadas, o Presidente produz crises sucessivas para, no final, como bem ilustrado recentemente por Marcos Nobre: se apresentar como a única resposta possível para o caos que ele próprio produz.
Compreendo a necessidade de se chamar atenção para o tempo que ficamos sem Ministro da Saúde. Tempo recorde. Mas e os alertas para o fato de que o país se encontra sem Presidente? Superamos a marca de um ano e meio, possivelmente chegaremos a dois. Não seria este um novo recorde do Brasil republicano? É verdade, alguém dorme no Palácio da Alvorada. Mas quem trabalha no Planalto?