Uma “ciência” a serviço do governo: vacina não
A guerra contra a vacina
Os ataques à ciência não são um movimento novo ou uma exclusividade brasileira. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a OMS, o Movimento Antivacina entrou para a lista das dez ameaças à saúde global em 2019. Não faltam no mundo contemporâneo exemplos de conspiracionistas: terraplanistas, negacionistas do aquecimento global e revisionistas históricos são alguns dos exemplos daqueles que tentam desconstruir o conhecimento científico. O questionamento da vacina é apenas um grave e desastroso desdobramento.
No desmonte da ciência são diversos os interesses, causas e metas. No caso do Brasil, ao descredibilizar a vacina, ligando-a a temas como comunismo e minando sua reputação, os oponentes à prevenção em massa reivindicam para si a credibilidade e a autoridade. A não efetividade ou o perigo que a vacina representa é apenas um pano de fundo para ataques a governos ou posicionamentos políticos. Todo aquele que tem uma opinião divergente, passa a ser, também, um inimigo político.
Ao atacar a ciência, facilmente encontramos algumas ferramentas negacionistas repetidamente utilizadas. A mais comum delas talvez seja o apelo à incredulidade, que costuma aparecer em frases como “mas eu não estou convencido”. Cabe lembrar que não há problema algum na manifestação de perplexidade. Mas é importante dizer que o fato de alguém simplesmente não acreditar em algo, não é um argumento ou refutação científica.
Em terras brasileiras, o movimento antivacina tem uma característica bem comum: o conspiracionismo. A rejeição às diferentes vacinas é o ato final de toda uma narrativa conspiratória, que poderia ser encarada como parte de um enredo pseudocientífico que teve diversas etapas.
Partiu, sobretudo, do questionamento dos motivos, passou pela validação de pesquisas irrelevantes e culmina, agora, na incredulidade pessoal. Desde o início da pandemia, muitos eram aqueles que negavam a gravidade da crise sanitária e afirmavam que poucas seriam as vítimas. Passados alguns meses, e com o número de mortes avançando exponencialmente, os conspiracionistas começaram a questionar a própria contabilização das mortes, os laudos médicos e as medidas de prevenção defendidas pela OMS. Cabia apenas a negação da realidade.
Como poderiam os conspiradores, agora, dizer que precisamos de uma vacina, se durante toda a pandemia reafirmaram que a doença não era grave e que isolamento e máscaras não eram necessários, afinal, a doença não passaria de uma simples “gripizinha”? Qual seria a razão de imunizar todos os brasileiros se, para os negacionistas, a doença não oferece perigo?
A anticiência como posicionamento político
É preciso reforçar aqui que resistência à vacina é também um posicionamento político. E neste ponto devemos pensar como os apoiadores do atual governo se sentem pressionados a acompanharem o presidente em suas opiniões.
O ambiente de grande polarização política, mais uma vez, divide os brasileiros em campos opostos, tornando quase impossível o compartilhamento do mesmo senso de realidade. A partir do momento em que Bolsonaro passa a emitir constantes opiniões sobre a não eficácia da vacinação, seu posicionamento é tomado como a voz de liderança de um dos lados da moeda, o da desconfiança e medo das vacinas.
Do outro lado, estariam seus oponentes, que não são somente vistos como partidários da ciência, mas como inimigos políticos, e justamente por serem oposição ao governo, devem ter descartados qualquer posicionamento que emitirem. As rivalidades políticas, encaradas no atual cenário político como completamente excludentes por muitos cidadãos, foram transportadas para os diversos campos sociais e culturais. Há hoje um claro abandono do princípio básico das democracias: a coexistência, em um mesmo plano, de opiniões e diretrizes opostas.
Disseram os negacionistas que a doença era uma criação em laboratório para dominação chinesa. Depois, afirmaram que seria facilmente tratável com medicamentos já disponíveis no mercado e, agora, questionam a efetividade das vacinas. Os conspiradores negaram a pandemia, a crise gerada por ela e, para fechar o ciclo, negam a necessidade de um plano de imunização. Atos que configuram não somente erros, mas um projeto político.
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