Redes sociais: a falsa promessa de democratização e a intolerância ao contraditório
A promessa de democratização
Com o advento da internet, emergiu a esperança de uma nova experiência democrática, desta vez, verdadeiramente inclusiva e plural, que seria promovida pela participação de um segmento cada vez mais amplo da população no debate público. Na internet todos poderiam consumir e todos poderiam produzir informação.
Tinha-se, enfim, um espaço onde cada um poderia vocalizar preferências e ser escutado. O fim do monopólio da informação pelas grandes companhias midiáticas significava o início de uma nova era, agora, genuinamente democrática, que garantiria o estabelecimento de lugares de fala plurais. Parecia bom demais para ser verdade e, em certa medida, era mesmo.
As câmaras de eco das redes sociais
O exercício democrático pressupõe o diálogo e o debate entre ideias contrastantes. No entanto, o modus operandi das redes sociais – produto de maior prestígio da internet – terminou por impossibilitar o encontro das discordâncias, contribuindo enormemente para a polarização da sociedade que, por sua vez, garante o sustento de líderes e movimentos autoritários.
Isso ocorre por meio de algoritmos que selecionam o conteúdo ao qual cada indivíduo terá acesso, baseado em seu histórico de pesquisas e compartilhamentos on-line. Dessa forma, ao personalizar e customizar o conteúdo exibido, as redes sociais garantem a exposição do usuário apenas a tópicos que confirmam suas ideias, valores e visões de mundo.
Nesse contexto, os indivíduos, insulados de opiniões divergentes, terminam por estar cada vez mais integrados a comunidades homogêneas que compartilham as mesmas ideologias e crenças. Assim, discursos de ódio e ideias mirabolantes tornam-se inteiramente aceitáveis pois encontram validação automática dentro das “câmaras de eco” das redes sociais.
Esse processo representa o fim de uma suposta “ditadura do politicamente correto” porque ideias repreensíveis não chegam até aqueles que estão dispostos a repreendê-las, e inaugura também a construção de um abismo notório entre a realidade e a percepção que os indivíduos fazem dela.
O desconforto em relação ao contraditório
Condenados a escutar somente ecos daquilo que temos por verdade, terminamos todos por nos contentarmos a um narcisismo confortável, mas dificilmente benéfico para uma construção democrática. Isso porque, apesar de diariamente adquirirmos confirmações de nossas ideias pré-concebidas, essa concordância generalizada dificilmente se realiza no espaço público, onde, em função da heterogeneidade, divergências tendem a prevalecer.
Assim, quando os indivíduos deixam as telas de seus computadores para participar da realidade coletiva, ocorre um estranhamento, porque ao se defrontarem com a alteridade e com o diferente, são desafiados a contestar todas aquelas certezas pré-concebidas. Exercício de humildade insuportável para muitos.
Fomos desacostumados ao contraditório e não surpreende portanto que alguns indivíduos defendam ideias absurdas com tanto afinco, como se fossem óbvias, e como se o absurdo fosse domínio exclusivo das ideias dos outros. Talvez por isso tanta violência, porque desabituados a desaprovação ou a crítica, esses sujeitos terminam por se transformarem em crianças mimadas, exigindo de todos uma validação gratuita e automática, cuja falta é sentida como prejuízo, causado sempre por um outro, que precisa então pagar pelo dano que infligiu. Esse dano é o próprio ato de discordar que, em uma sociedade ultimamente separada entre os “bons” e os “maus”, acabou sendo transformado em pecado capital.