“Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são…”: a crise da saúde e a vaidade do governo
A saga de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, parece possuir intermináveis similaridades com o atual momento brasileiro. Dizem que os clássicos são livros que não terminaram o que tinham a dizer. Depois de mais de 90 anos do lançamento do livro de Mário de Andrade, o governo brasileiro, muito criticado por um total desconhecimento cultura nacional, parece estar determinado em dar continuidade à história do herói às avessas.
“Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são…”, essa é uma observação que Macunaíma faz ao final do livro, em tom quase profético. Saúva é um gênero de formiga muito comum no Brasil. Como as demais formigas, as saúvas formam colônias muito bem organizadas cujas atividades giram em torno, não do grupo, mas da rainha – conhecida popularmente como tanajura. Esse arranjo, muito comum no reino animal, quando mimetizado por um governo é obviamente condenável.
Condenável e perigoso, pois quando um governo decide que o propósito de suas atividades não serão mais servir ao povo, mas sim ao projeto de vaidade de seu líder máximo – rainha ou rei, pouco importa – significa que os danos incorridos à população não entram nem mais no cálculo de eficiência do Planalto. Para que contar o número de mortes se elas não são sentidas pelo Presidente?
E as semelhanças com a realidade não se esgotam aqui. As saúvas também são notórias por serem verdadeiras pragas. Essas formigas-cortadeiras são capazes de destruir árvores, pastos e lavouras inteiras. Mas não sejamos tão duros com as formigas, esse é seu instinto biológico. Se toda essa destruição fosse fruto de uma atitude deliberada pautada pela arrogância, somente então seria justificável a maior das indignações.
Já no século XIX, o pesquisador francês Saint-Hilaire afirmou “se o Brasil não acabar com a saúva, a saúva acaba com o Brasil”. Saint-Hilaire se referia às formigas, claro, pois não poderia ter previsto que um governo viria a se comportar como essas pequenas pragas devastadoras de sonhos.
Mário de Andrade tampouco poderia ter profetizado a situação na qual nos encontramos hoje. Mas o escritor conhecia bem o Brasil. Quase um século após Macunaíma e em meio à uma das crises de saúde pública mais alarmantes do Brasil moderno, as prioridades estão dadas.
O Ministério da Saúde se tornou mais um instrumento do projeto de vaidade do Presidente, recorrendo até mesmo à manipulação do número de mortes para preservar a imagem de um governante que há muito não pode ser preservada. Bem como as saúvas arruinam lavouras, a degeneração de um Presidente arrasa um país.
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