Pós-verdade, teorias da conspiração e fake news

Pós-verdade, teorias da conspiração e fake news

Pouco importa a realidade, o que importa é a percepção que faço dela. Correto? Não. Apenas porque fatos e mesmo verdades científicas contradizem minhas expectativas em relação ao mundo, não quer dizer que sejam menos valorosos. Fatos importam, goste eu deles ou não. Essa conclusão parece óbvia, ou ao menos seria há alguns anos atrás. Mas, ao que tudo indica, entramos em um momento histórico no qual ficções ganham contornos de realidade, apenas porque correspondem às crenças de um grupo específico. Inauguramos a era da pós-verdade.

Nessa nova era, emoções importam mais do que os fatos. Se a modernidade foi caracterizada por um “desencantamento do mundo”, que teria substituído o misticismo pela razão, esse processo parece não ter agradado a todos. Talvez o mundo desencantado tenha ficado muito tedioso para alguns, incapazes de se contentar com uma simples existência mundana desprovida de qualquer caráter fantástico. Não os culpo, a vida é mesmo meio sem sentido, mas isso não significa que tenhamos o direito de impor ficções ao debate público.

Mas enfim, voltemos a pós-verdade. Discursos que não possuem nenhum compromisso com a realidade mas que fazem apelo às emoções dos indivíduos constituem a comunicação pós-verdade por excelência. Essa é uma estratégia muito comum do populismo que atingiu sucesso no século XXI, inclusive no Brasil.

Paranóia generalizada e enfraquecimento democrático

De acordo com o cientista político Jason Stanley, a fabricação de teorias da conspiração descabidas tem como objetivo provocar desconfiança e paranóia. Ainda que nem todos acreditem nelas, permanece um sentimento de suspeita inconsciente. Até porque essas teorias absurdas ou fake news não são produzidas, por exemplo, para convencer a oposição. Elas são produzidas com um público específico em mente, um público já predisposto a acreditar nelas, apenas para reforçar suas ansiedades e visões de mundo pré-concebidas.

De acordo com o cientista político Jason Stanley, a fabricação de teorias da conspiração descabidas tem como objetivo causar desconfiança e paranóia. Ainda que nem todos acreditem nelas, permanece um sentimento de suspeita inconsciente.

A fabricação de teorias e notícias completamente fantásticas é fortalecida pelo anti-intelectualismo e anticientificismo característico de políticos populistas autoritários. A disseminação de ideias mirabolantes alcança um sucesso expressivo, pois esses políticos já convenceram seu público de que intelectuais e especialistas estão contra eles, no Brasil são “produto da esquerda”, nos EUA são “membros da elite liberal”. Somado a isso, o fato da mídia não dar espaço à essas teorias da conspiração, segundo esses políticos, apenas confirma a suposta conspiração e a parcialidade dos jornalistas.

No entanto, a mídia não possui a função de dar espaço a falsos debates. Não é correto produzir uma matéria questionando se a Terra seria redonda ou não pois essa discussão simplesmente não possui função alguma e apenas serviria para aumentar a já enorme lacuna entre a realidade e a percepção que os indivíduos fazem dela. E essa desestabilização da realidade possui efeitos catastróficos, dentre eles: uma suspeita constante em relação ao outro e um enfraquecimento democrático.

Eliminação de entendimentos básicos sobre o mundo real

Esse enfraquecimento da democracia ocorre porque a política da pós-verdade se opõe a princípios básicos da comunicação democrática, como o diálogo baseado em fatos. Por exemplo, é inteiramente legítimo que nós tenhamos opiniões distintas em relação à política econômica e um debate civilizado sobre o assunto pode produzir resultados positivos ou não. No entanto, a partir do momento em que alguém defende que a ONU e toda a mídia internacional fazem parte de um projeto comunista, já não posso convencê-lo do contrário, pois não compartilhamos entendimentos básicos sobre o mundo real.

É esse o trunfo da pós-verdade. Ela não é a simples produção de mentiras, prática tão velha quanto a própria política. A pós-verdade envolve a eliminação das normas que determinam aquilo que é verdade e aquilo que não é. Nesse cenário, mesmo consensos científicos – e.g. mudanças climáticas – passam a ser desacreditados e narrativas mirabolantes trazem de volta a ideia de que o mundo seria permeado por forças ocultas – sejam elas o “globalismo comunista” ou cientistas que nos obrigam a crer que a Terra é redonda. Fatos não importam, na realidade, nada importa, a não ser aquilo que confirma as crenças de demagogos e de seus apoiadores.

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