Por que nos compadecemos somente pelas crianças?
Não me levem a mal, eu me sensibilizo ao ver crianças sofrerem, o que não compreendo é como nossa empatia parece ter uma data de validade. Nos sensibilizamos até a criança completar dez anos? treze? ou dezoito? Depois de crescida a criança, o problema já não é nosso, é do adulto que não vale o nosso choro e que, não raro, passa a valer nossa desaprovação.
Uma cena típica da paisagem urbana brasileira: uma criança na rua vendendo bala. “Não compre não, é a mãe que tá colocando a filha pra trabalhar, depois o dinheiro vai todo pra ela”. Desaprovamos a mãe e esquecemos que ela já foi filha, talvez ainda seja, mas já foi filha pequena, criança. Talvez há época tenhamos criticado sua mãe por colocá-la para trabalhar e então esperamos ela crescer para passarmos do compadecimento à desaprovação.
Fazemos o mesmo com as crianças que vemos hoje no sinal, nos sensibilizamos por alguns segundos e criticamos a mãe, enquanto esperamos que ela cresça para podermos então criticá-la também. É tudo uma questão de timing. Da mesma forma, quando vemos alguns meninos abandonados na rua, pedindo dinheiro ou comida, sem ninguém para lhes prover algum cuidado, percebemos a injustiça, o desamparo e, mais uma vez, nos compadecemos.
Mas tudo passa, esperamos alguns anos até esses mesmos meninos crescerem e se algum deles comete um crime, então desejamos sua prisão, punição e, ocasionalmente, a sua morte. E ainda que não cometam crime algum, seguiremos a acusá-los porque toda a sensibilidade que um dia direcionamos à criança, se esvai quando ela cresce.
Nosso cérebro se mostra incapaz de associar o homem à criança desamparada; a mulher à menina magricela. É como se esses homens e mulheres nascessem grandes, como um desses animais que já nascem andando, voando e se virando, cujo passado não difere tanto assim do presente. Ao não enxergamos o passado no homem, ou na mulher, nós os animalizamos, negligenciando o fato de que o ser-humano tem infância, de que o ser-humano foi infância e que, ainda que se torne adulto, continua a sê-la.
Choramos por meninos, mas nunca por homens. Choramos pelas filhas, mas não pelas mães. Reprovamos os grandes e esquecemos que eles já foram pequenos. Eles eram as crianças objeto de nossa compaixão. Hoje são o alvo do nosso ódio. Deixai vir a nós as criancinhas… até uns doze anos, mais ou menos. Depois, que se danem.
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