Pequeno Girodono: os primeiros anos de um louco

Pequeno Girodono: os primeiros anos de um louco

O pequeno Girodono sempre soube que estava destinado a algo. Algo grandioso, que lhe era devido pela ordem natural das coisas. Era como se tivesse sido escolhido, designado, eleito… Assim se sentia porque assim lhe era prometido.

“Você, meu filho, será grande” – dizia Dona Rita.

“Basta querer, meu pequeno, para ter e merecer” – dizia o tio Jorge.

Talvez em virtude de promessas como essas, Girodono nunca tenha sido muito dado ao esforço, também nunca demonstrou grandes virtudes ou talentos naturais. Contudo, o não reconhecimento dos demais lhe causava certo espanto. Dentro de casa, reconheciam seu vigor, mas os de fora pareciam andar desavisados. Não sabiam eles do futuro grandioso que lhe aguardava? Dona Rita teria esquecido de avisá-los?  

Girodono sabia que algum tipo de glória seria sua por direito. Bastava querer, nenhuma ação era necessária para que o grandioso destino viesse a se concretizar. Afinal, tratava-se de um direito natural, do qual somente crianças semelhantes a ele poderiam gozar. Girodono sabia que queria, mas não sabia o que queria, nem porque queria. Quando queria? Ele sabia: agora. Era um tanto impaciente, o pequeno Girodono.

Ainda criança, apresentava os traços de uma personalidade que o acompanharia pelo resto da vida, uma desastrosa mistura de preguiça com arrogância, além de uma infindável avidez por atenção. Combinação que, em uma criança, não é assim tão condenável, mas que, em um adulto, viria a apavorar. As birras constantes eram muitas vezes acompanhadas por exclamações de consolo, às vezes dirigidas aos pais, outras vezes à própria criança.

“Não se preocupe Dona Rita, isso é charme de criança”

“O que é que está incomodando o pequeno assim?”

“Muito bem, Seu Artur, birra é sinal de menino dedicado” 

Mas não era. Digo, não era dedicado, o pequeno Girodono, assim como o grande também não seria. Aos oito anos, queria porque queria entrar para a equipe de futebol da escola. Contrariado, foi obrigado a fazer o teste como todos os outros. Não passou. Mas bastou duas semanas de choro para convencer o pai a ir conversar com o treinador do time a fim de descobrir porque seu filho não havia tido sucesso no teste. Compreensivo, o treinador perguntou ao pai, que estava acompanhado por Girodono, quem havia preparado o menino para o teste, pois estaria disposto a treiná-lo para que ele se saísse melhor no próximo ano.

“Ninguém”

“Como assim ninguém ninguém? O garoto se preparou sozinho?”

Seu Artur não respondeu, o pequeno Girodono, que não pronunciou uma palavra sequer em frente ao treinador, também não. A verdade é que o garoto não havia treinado, achava-se pronto. Havia nascido pronto. Pronto para o que? Não se sabe, mas parece que não era para o futebol. Bem, certamente a tragédia teria sido menor, fosse Girodono um astro do esporte. Amaldiçoado foi o dia em que o treinador o impediu de entrar no time. 

Gostou da crônica? Leia a primeira publicação sobre o Capitão Girodono aqui: Capitão Girodono e “A Grande Tragédia”.

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