O tal do bloqueio criativo
Já faz alguns meses que não consigo escrever alguma coisa decente. Sento diante do computador e fim, nada além da frustração de cansar a vista com a tela sem produzir um texto que valha a pena ser compartilhado. Uma sensação de culpa e perda de personalidade me acomete. É que uma grande parte de mim é o que escrevo.
Diante dessa impossibilidade de escrever algo minimamente aceitável, lembrei do tal do “bloqueio criativo”, essa incapacidade de criar que me soa bastante elegante porque pressupõe que você é, normalmente, uma pessoa criativa. Tenho a impressão que o bloqueio é uma coisa bem Beatles, bem Paul McCartney. É coisa de gente importante e requintada. Tudo bem, é também coisa de publicitário, acho até que é mais coisa de publicitário do que de Paul McCartney. Ainda assim, pensar que estou com bloqueio criativo me trouxe uma certa tranquilidade e, sendo bem sincera, proporcionou até uma amaciada no ego.
Não sei se o bloqueio criativo acomete também aqueles que, por exemplo, precisam escrever para pagar as contas. Talvez a iminência do despejo seja o melhor remédio para bloqueio criativo. Será que é por isso que escritores são em sua maioria pobres? Será que é para poderem sempre estar criando? Tolstói, que nasceu no seio da aristocracia russa, provavelmente discordaria. O escritor é pobre porque quase ninguém lê e porque quem lê acaba lendo Paulo Coelho e J.K. Rowling. Não tem nada a ver com esse tal de bloqueio criativo não.
Talvez um bom remédio para o bloqueio seja simplesmente sentar diante da tela e começar a reclamar dele, que é exatamente o que estou a fazer, mas nada me garante que vai dar muito certo. Pode ser que também funcione ir morar em uma cabana sozinha no meio do mato, que foi mais ou menos o que Henry Thoreau fez para escrever seu grande clássico Walden ou A vida nos Bosques, mas dado o título da obra, penso que fazia mais sentido no caso dele, que iria escrever uma crítica à sociedade, do que no meu.
Além disso, Thoreau publicou seu livro no século dezenove, naquela época, era muito mais fácil ir parar no meio do mato. Hoje, nem mais mato existe direito. Imagine só, o tempo que eu teria que dirigir para achar algum mato para me enfiar e, mesmo assim, dificilmente ficaria isolada. Poderia dirigir dias em direção a Amazônia apenas para me encontrar na companhias dos gados. O coitado lá de Into the Wild teve que ir parar no Alasca e acabar morrendo para tentar se isolar, apenas para depois descobrirem que havia uma cabana habitável não muito distante de onde ele se encontrava. É muito mais prático sentar e ficar reclamando sobre o bloqueio criativo, os outros remédios me parecem bem mais drásticos e exigem muito mais sacrifício do que aquele que uma pessoa mimada como eu está disposta a fazer.
Resta que eu me contente com a ideia de auto-importância que esse tal de “bloqueio criativo” me proporciona, como se fosse uma barreira comum que precisa ser transpassada por artistas e não por publicitários. Por fim, espero que essa ladainha toda tenha dado em algo minimamente publicável, mas se não, que se dane também, porque, afinal, bloqueio criativo é coisa de gente chique, coisa de Paul McCartney e tal.
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