O estranho caso da alienação dos bolsonaristas: “Freud explica”
A base bolsonarista, seria ela manipulada por um presidente que apresenta um discurso patriota e antissistema irresistível diante de um caos socioeconômico que ele mesmo produz? Seria ela manipulada por um suposto salvador da pátria que, no fim, estaria apenas à serviço de forças econômicas maiores e mais profundas?
Tentar responder essas perguntas, tornou-se um imperativo diante do contínuo apoio dos bolsonaristas ferrenhos a um presidente que age no sentido de prejudicá-los, ainda que eles não percebam. Afinal, os manifestantes que se reúnem na orla do Rio de Janeiro em meio a uma pandemia a fim de enaltecer o grande responsável pelas dificuldades que enfrentam não estão protegidos dos efeitos de um governo desastroso. Eles não possuem café e almoço marcados com o presidente, apesar de às vezes agirem como se esse fosse o caso. Estão ali cidadãos que vão sentir na pele as sequelas do desgoverno.
O caos produzido na saúde, na economia e na política beneficia apenas alguns poucos aliados do presidente. Mas então, como poderíamos explicar a total falta de convergência entre os interesses materiais da massa bolsonarista e os resultados produzidos pelo atual governo?
A dificuldade em compreender o obstinado apoio do núcleo bolsonarista deve-se à equivocada crença de que escolhas políticas ocorrem sempre a partir de um cálculo racional. Em “A Teoria Freudiana e o Modelo de Propaganda Fascista”, Theodor Adorno – importante pensador alemão do século XX – recorre à psicologia das massas de Freud para explicar a ascensão de movimentos autoritários e lembra que cidadãos podem realizar escolhas políticas incompatíveis com seus interesses enquanto pessoa privada pois a política é, acima de tudo, uma atividade emocional.
O impasse que surge ao tentarmos explicar Bolsonaro é produzido justamente por essa aparente necessidade de racionalizar a política. A tese da manipulação dos bolsonaristas se sustenta pela impossibilidade de Bolsonaro angariar apoio por meio de um exercício de cálculo racional entre interesses e capacidade ou habilidade para ação governamental do atual presidente.
Contudo, a base bolsonarista não apoia seu presidente porque ele é capaz de atender de maneira eficiente seus interesses, eles o apoiam em função de um vínculo muito mais profundo do que aquele que pode ser produzido por meio do cálculo racional – o vínculo da identificação. Afinal, somente um vínculo inflexível como o da identificação seria capaz de explicar atitudes aparentemente despropositadas, como se aglomerar em meio a uma pandemia e ao caos para aclamar o próprio causador do caos.
Bolsonaro não é apoiado por pessoas que necessariamente acreditam em seu potencial, mas que se identificam emocionalmente com ele. Bolsonaro é racista, homofóbico e machista. O presidente representa a nostalgia de uma época onde cada um podia dizer o que queria e ninguém se ofendia tão facilmente, ao menos não em público. A alienação dos bolsonaristas é tese furada, Bolsonaro continua a ser presidente pois representa a ampliação da personalidade de seus apoiadores, que estavam cansados de serem censurados pelo politicamente correto.
O apoio ao atual presidente não é uma questão de manipulação, mas sim de ego e narcisismo de indivíduos que não toleram vislumbrar o risco de perda de certos privilégios. Defender a alienação dos bolsonaristas, defender que Bolsonaro continua levando pessoas às ruas porque as engana, é absolver os indivíduos da responsabilidade pelas próprias escolhas.
A base bolsonarista apoia um presidente que se parece com eles, para essas pessoas, nunca foi uma questão de manipulação. E afinal, quais os ingredientes essenciais, segundo Adorno, para a construção desse vínculo emocional da identificação? Falas monótonas e repetitivas, somadas à escassez de ideias. É isso que o Bolsonarismo tem a oferecer e é isso que os bolsonaristas desejam consumir.
Porque nada importa, contanto que exista no Planalto alguém que bata na mesa e suba o tom para dar voz aos seus ressentimentos. Sobre um outro presidente que não durou muito, Fernando Collor de Mello, Ulysses Guimarães comentou “quando acaba a razão, começa o grito. É a insânia”. A diferença é que Bolsonaro sempre só teve o grito à sua disposição que, por sua vez, é suficiente para os que tiveram sua intolerância supostamente silenciada pelo politicamente correto.