políticas públicas

O discurso “lei e ordem”: dissimulando preconceito e intolerância

O discurso “lei e ordem” é velho companheiro de personagens autoritários. Essa estratégia retórica permite que, em momentos de tensão social, desafios complexos sejam simplificados de tal forma que, ao final, não serão sequer resolvidos. Ao invés de encarar os problemas sociais com a seriedade e honestidade que exigem, personagens autoritários ilustram esses problemas dentro da sua preciosa lógica binária do “Nós x Eles”.

O antagonismo “Nós X Eles” e a culpabilização do outro

Segundo o cientista político Jason Stanley, lideranças autoritárias separam os cidadãos em duas classes. Os da “primeira classe” são aqueles que consentem de maneira automática e fazem parte da nação escolhida, esses são naturalmente seguidores da lei. Enquanto os cidadãos de “segunda classe” são os que não fazem parte da nação escolhida, aqueles que incomodam e que são invariavelmente sem lei.

Mais comum ainda é o uso dessa retórica “lei e ordem” por lideranças não somente autoritárias, mas também incompetentes e vaidosas. Afinal, a partir da divisão dos cidadãos em duas categorias distintas – uma virtuosa e outra invariavelmente corrompida – personagens desqualificados conseguem atribuir a culpa de todo o caos que eles mesmo produzem aos supostos “inimigos do povo”.

O salvadores surgem do caos

Dessa forma, após produzirem o caos, conforme ilustrado por Marcos Nobre em seu livro “Ponto-final”, personagens autoritários se colocam como os únicos capazes de resolvê-lo. Donald Trump faz nos Estados Unidos, o mesmo que Bolsonaro faz no Brasil. Ainda que, claro, seja muito mais provável que o segundo esteja imitando o primeiro. 

De acordo com Trump, quando ele for presidente, os protestos por justiça racial, que são desonestamente ilustrados como um conjunto de tumultos e atos de vandalismo, chegarão ao fim. O problema é que ele já é o presidente dos Estados Unidos e a postura que adota é a de inflamar os protestos por meio de sua retórica agressiva. Ou seja, ele incita a violência para depois se colocar como o único capaz de resolvê-la. 

Por trás do discurso “lei e ordem”

Quando Nixon concorreu à presidência dos Estados Unidos em 1968, ele fez uso das agitações urbanas que eclodiram após o assassinato de Martin Luther King para deslocar a pauta da justiça social a favor do discurso “lei e ordem” que passou a ocupar então o centro do debate político. Essa era uma estratégia racista que permitia a criminalização da população negra sem que o público percebesse isso. Em 2020, Trump tenta fazer o mesmo, deslegitimando as demandas por justiça racial e as ilustrando como uma questão de polícia, de lei e de ordem.

Quando o discurso “lei e ordem” passa o ocupar posição central no debate nacional, é sempre bom observar a quem a tal lei está servindo. Afinal, essa retórica é geralmente acompanhada de dois pesos e duas medidas. Quando os cidadãos de “primeira classe” protestam, geralmente são vistos como patriotas heróicos, ainda que andem armados, distribuindo ameaças. Por outro lado, quando quem se manifesta são os cidadãos de “segunda classe”, esses são ilustrados como baderneiros, vândalos e criminosos. 

Ao vermos um presidente apelidar manifestantes de marginais e terroristas, a primeira certeza que temos é a de que não se trata de um democrata. Em seguida, podemos também estar quase certos de que estamos diante de um sujeito desqualificado que, ao se ver incapaz de lidar com as demandas da população, escolhe deslegitima-las e opta por incendiar a política, apenas para depois se apresentar como bombeiro.

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