O coitado da calçada
Era como se o coração batesse no corpo inteiro toda vez que passava por aquele coitado encolhido na calçada. A água sempre pela metade, a comida sempre pão ou arroz misturado com qualquer coisa. Toda vez que entrava no supermercado, Sara fazia questão de comprar alguma coisa para apaziguar aquele sofrimento. Toda vez, a mesma rotina, comprar um pão, um biscoito ou um leite e seguir caminho.
Sabia que aquela rotina era insuficiente, que não resolvia nada, servia mais à própria consciência do que ao coitado esparramado no chão. Mas ela podia fazer o quê? Podia fazer exatamente o que fazia, comprar uma comida, às vezes doar um cobertor que já estava mais gasto, um sabão ou shampoo para ajudar na higiene. Quando era preciso, Sara também fazia questão de ajudar com qualquer tipo de remédio, nem olhava o preço.
Fazia a parte dela, era inegável. Poderia fazer mais, é claro que poderia… mas não podia, não podia.
No dia em que a mãe veio visitá-la, as duas foram juntas ao supermercado para comprar o que precisavam para o almoço. Quando viu, a mãe sentiu o que a filha sentia, aquela injustiça que faz apertar as unhas contra a palma da mão, cerrar os dentes como se fosse quebrá-los. Veja, elas eram de uma cidadezinha do interior, essas cenas da cidade grande só conheciam agora.
A mãe disse que Sara tinha que fazer alguma coisa, qualquer coisa. Sara explicou que ajudava com comida, remédio, cobertor, fazia tudo que podia. Ficaram dias falando sobre isso, até que a mãe foi embora, esqueceu e ficou apenas Sara matutando na cabeça o que deveria fazer.
Acordou. Passou pela rua de sempre, iria comprar uma caixa de leite dessa vez. Não suportou, nunca tinha visto aquele coitado tão sujo, parecia estar com tanta fome… fazia três dias que Sara não passava por ali. Decidiu que as doações que faziam bem ao ego já não bastavam. Tinha que agir. Sara olhou para todos os lados para ver se vinha alguém. Não vinha. Era agora. Sara tirou o coitado do gato do colo do mendigo e saiu correndo. Levou para cuidar em casa.
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