Meninos Mimados
João podia ser pior, é claro que podia… mas se fosse, seria muito ruim.
Quando criança, as raízes da insolência já se faziam presentes. Mas crianças mimadas não são raras. Era só mais uma no meio de tantas. E como isso lhe era insuportável… ser mais um no meio de tantos… por isso queria sempre fazer melhor… ou pior, tanto faz. O importante era estar em um dos extremos. Se distanciar daquela massa amorfa de crianças medíocres. Amorfa… quando é que tinha aprendido essa palavra? Soava tão esquisita… engraçada… não parecia palavra de criança. Gostou. Colocou no próprio vocabulário. Usava sempre, mesmo fora de contexto. Nenhum colega entenderia mesmo.
Nunca se esqueceu do belo dia em chamou Bruno de idiota amorfo. O colega se meteu a chorar e foi contar pra professora. Falou que João havia lhe xingado. A professora perguntou o que João falou. Mas Bruno não soube repetir. Aiiii, que imbecil. Como aquela sensação lhe fazia bem. Quando a professora perguntou o que disse ao colega, João disse que falou apenas que o colega era “afável”. Aprendeu essa fazia algum tempo, era a primeira vez que a usava. A professora estranhou a palavra difícil, mas desculpou João. Só podia ser amorfa também, a professora.
Na juventude, João descarrilou. Poucos percebiam, mas era igual maçã passada, só se nota depois que morde. Amigos, quer dizer, gente ao seu redor, até tinha. Aquela aura de quem acorda com o gel no cabelo enfeitiçava, ao mesmo tempo em que envenenava. Sabia que era superior, mas saber não bastava, precisava que os outros também soubessem. Quem não assentia não ficava. Às vezes por escolha própria, mas muitas era João quem descartava. Não tinha tempo pra gente cega, que não reconhecia a própria sorte. Podiam aprender, contemplar, escutar. Tudo isso de perto. E João nem cobrava nada. Apenas reconhecimento. Reconhecimento e lealdade. Porque quem estava com ele, estava com ele e com mais ninguém.
E por que haveriam de querer estar com mais gente já que poderiam estar com ele? João lhes fazia um favor. Aquela gente mediana tinha a chance de provar um pouco de sua grandeza.
Nunca foi sobre inteligência, talento, beleza ou força. Nada disso ele tinha. Era sobre ser quem era. E por ser quem era, sabia que estava acima de todos, ainda que fosse por razões puramente metafísicas que só ele compreendia, e compreendia justamente por ser quem é.
Como era bom… como era bom ser tudo sem ter nada.
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