Expandindo as fronteiras do aceitável
A expansão das fronteiras do aceitável com o intuito de acomodar os absurdos produzidos pelo presidente da República constitui estratégia pouco inteligente e, no limite, ofensiva. A simulação de uma normalidade, que há muito não nos pertence, após o presidente ter decidido abafar os gritos diante das inúmeras investigações que cercam seu entorno pode implicar em consequências potencialmente desastrosas.
Vejam bem, o presidente não abandonou os gritos porque foi subitamente acometido por uma epifania democrática. Tal raciocínio não poderia estar mais distante da realidade. O silêncio de Bolsonaro é involuntário e, portanto, a atribuição de ares de regularidade política ao cenário atual representa ato de incoerência máxima. Quando um louco se vê limitado por uma camisa de força, por acaso dizemos que a loucura foi tratada?
Longe disso, a camisa de força é o próprio retrato da loucura. Mas as elites políticas parecem desprezar tal realidade. Insisto na ideia de expansão das fronteiras do aceitável porque, na última semana, o presidente da Câmara dos Deputados insistiu na dispensabilidade da abertura de um processo de impeachment. Aparentemente, Rodrigo Maia não vê crimes de responsabilidade na “gestão” Bolsonaro.
Impulsos antidemocráticos
Coincidentemente, naquela mesma semana, uma reportagem veiculada pela revista piauí reconstituiu uma reunião na qual o presidente, incapaz de suportar a limitação de poderes que a República impõe a seus governantes, teria sido acometido pelo súbito impulso de intervir no STF.
Estavam presentes na reunião três generais: o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto; o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno. Segundo a reportagem, o presidente teria sido dissuadido pelo general Heleno que, a fim de contentar o chefe, terminou por divulgar uma nota em tom de ameaças aos ministros do Supremo.
Um silêncio ensurdecedor
Após a reconstituição de uma reunião privada entre o presidente e três ministros, poderíamos então aguardar a contestação da veracidade do texto. No entanto, prevaleceu o silêncio. Nem um comunicado por parte do STF ou do Planalto, que não parece interessado em desmentir a narrativa.
O mesmo silêncio ensurdecedor que abafa os gritos do presidente sucedeu a reportagem que, por fim, não expôs índoles ou temperamentos que já não fossem conhecidos do público. A inaptidão do presidente em se movimentar dentro dos mecanismos institucionais é notória. O texto em si não é nada revelador, mas as reações, ou melhor, as omissões que se seguiram exibem os desaforos que os atores políticos estão dispostos a suportar.
A expansão das fronteiras do aceitável consiste em um cálculo de custo-benefício extremamente arriscado. É verdade que não se deve iniciar um processo de impeachment sem a certeza dos votos; que é imperativa a análise da taxa de aprovação do presidente e que a destituição do governante é um mecanismo cuja utilização deve ser reservada a situações extraordinárias.
Mas estamos claramente diante do extraordinário, e o silêncio que o acompanha não o torna mais concebível. Ao fim, se continuarmos a expandir as fronteiras do aceitável, corremos o risco de não deixar margem para o discernimento.