Dores do parto
Clara se sentou no sofá da sala com ambas as mãos sobre as costas. A barriga estava enorme, a menina nasceria a qualquer momento. A vinda iminente da criança inquietava Clara, assustava Clara, entristecia Clara. Não porque não queria ser mãe, queria. Mas sabia que se a criança nascesse naquele momento, nasceria assombrada pela tristeza, herdaria de Clara todo abatimento que lhe comprimia o peito.
Essa era a carga que pairava sobre as mães, sabia Clara. O elo estabelecido pelo cordão umbilical transportava não somente nutrientes, mas também os afetos. Clara não queria condenar a filha a uma infância coberta de angústia e desalento, queria poupar-lhe da desesperança, queria colocá-la em uma pequena redoma não de vidro, mas de aço, que é menos frágil, para protegê-la da própria solidão.
Foi então que Clara sentiu. Eram pequenas pontadas na barriga. Percebeu que a bolsa havia estourado. “É agora”, desesperou-se, a filha nasceria fadada a uma escuridão que a acompanharia pelo resto da vida.
– José
O marido veio correndo do quarto ao lado. Não precisou de explicação alguma, pegou a bolsa que haviam deixado separada ao lado da porta com tudo aquilo que precisavam, enrolou a mulher em seu braço para ajudá-la a andar e partiram para o hospital.
Na cama de parto, Clara chorava. Era um bom lugar para se chorar, pois todos pensavam que se desesperava pelas dores do parto, quando o que a machucava eram as dores da alma. Clara sabia que, assim como sua mãe havia lhe transmitido o abatimento constante ao tê-la parido deprimida, também condenaria a filha a uma vida que parecia vir pela metade, uma metade sofrida, a pior metade. Clara fazia força para empurrar a filha ao mundo, pois sabia que não poderia prendê-la na redoma de seu útero, onde a filha ainda se aquecia e, até onde ela sabia, estava protegida das inquietações mundanas.
Nasceu.
A criança abriu o berreiro, e por mais que os médicos acreditassem que aquilo era natural a todo nascimento, apenas Clara sabia o real motivo do choro: a tristeza hereditária. O médico então colocou a criança embalada em um cobertorzinho entre os braços de Clara, que ainda soava frio. Clara a encarou, primeiro com os olhos semicerrados porque tinha medo de comprovar o olhar de desolação que a filha carregaria pelo resto da vida. Mas quando abriu os olhos por completo, viu. Viu que a criança não carregava seu olhar assombrado, carregava no lugar um olhar puro, um olhar sereno. Não estava condenada, aliviou-se Clara. Sabia que não estava condenada, reconheceria um olhar entristecido em qualquer parte, pois estava acostumada a se encarar no espelho. A tristeza hereditária que havia amaldiçoado ela, sua mãe e sua avó, não podia ser encontrada no olhar da filha. O médico então se aproximou calmamente e disse:
– É menino.
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