De onde vêm as lágrimas?
Enquanto uma pessoa que se emociona com certa facilidade, me interessa muitíssimo saber de onde vêm as lágrimas. Não aquelas que lubrificam os olhos a todo momento, nem aquelas provocadas por proximidade a cebolas, luzes intensas ou spray de pimenta – apesar de eu nunca ter experimentado essa última. Escrevo aqui sobre aquelas lágrimas que vêm… bom, eu não sei de onde vêm. Sei apenas quando: quando alguém nos magoa ou quando magoamos alguém, quando sentimos saudades ou quando nos reencontramos, quando lemos certos livros e quando poderíamos escrever um.
Para mim essas lágrimas são um grande mistério. O que é que tem a ver a emoção com água nos olhos? Essa água não limpa a dor, a tristeza, a raiva ou frustração. Tampouco retém a alegria. Logo, não sei para que serve. Eu que choro facilmente, gostaria de saber. Afinal, à vezes penso que se eu continuar chorando assim, vou acabar sendo como o menino que gritava lobo e quando eu realmente precisar que as pessoas se toquem pelo meu choro, elas não vão se tocar.
Então talvez as lágrimas sirvam exatamente a esse propósito. Quando a gente não quer falar o que sente, é como se um bombeirinho interior acionasse a mangueira, para que os outros não nos deixem queimar sozinhos. Às vezes, as pessoas que mais choram são as que menos gostariam de estar chorando. As pessoas que mais choram são justamente aquelas que prefeririam queimar sozinhas. Mas o nosso bombeirinho interno está ali para impedir que isso aconteça, ou para avisar que tem algo queimando, assim, alguém de fora pode se encarregar do trabalho.
A primeira reação que temos quando vemos alguém querido chorando é o abraço. É como se estivéssemos envolvendo a fumaça, bloqueando o oxigênio para que, enfim, o fogo possa se acalmar. Talvez por isso não devêssemos ser tão reticentes em consolar um estranho. Quando entramos em um banheiro no qual chora um desconhecido, deveríamos terminar de entrar para ao menos lhe dar a opção de não queimar sozinho.
Mas e as vezes em que nós não precisamos ser consolados? E quando choramos por felicidade ou porque algo simplesmente nos toca profundamente? Para quê o choro? O que quer o bombeirinho? Outro dia mesmo, eu estava empolgada com um livro e fui contar a história para a minha mãe, quando me dei conta, estava chorando. Eu não estava triste, não precisava ser consolada e, sinceramente, fui pega de surpresa chorando assim do nada. Preferiria não ter chorado. Só que talvez ali não fosse o bombeirinho, mas um marinheiro solitário que quer que os outros também entendam a beleza do exato ponto no qual o mar aberto encontra o céu, comprovando que a terra é plana – Ahh quase consegui evitar piadas nesta crônica, mas os tempos não permitem! A questão é que é como se chorássemos para avisar o outro da grandeza daquilo que nos toca, na intenção de que aquilo possa tocá-lo também.
Mas enfim, e quando choramos sozinhos? Não tem ninguém ali para apagar a fumaça, nem ninguém para ver mar algum. O que poderia querer um bombeirinho ou um marinheiro? Nada. Mas é que quando sentimos sozinhos é como se estivéssemos nos afogando nessas emoções. Eu, evidentemente, nunca me afoguei e também não conheço ninguém que se afogou, mas imagino que depois de um tempo tudo se transforme em silêncio. As lágrimas de quando choramos sozinhos são como se estivéssemos afogando, mas ao invés de sairmos da água, nós tiramos a água de dentro da gente.
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