“Ai! que preguiça”: o populismo e suas soluções simples para problemas complexos
Macunaíma nasceu no fundo do mato-virgem e exclamou “Ai! que preguiça!”. O herói sem nenhum caráter, idealizado por Mário de Andrade em 1928, vem sendo repetidamente mimetizado pelo governo brasileiro. Em um instante histórico no qual ficção e realidade parecem se embaralhar dia após dia, Macunaíma, o herói às avessas, não poderia se contentar aos livros.
Em um momento no qual, mais do que nunca, necessitamos de uma liderança responsável e disposta a conduzir o país em uma de suas crises mais profundas, nos encontramos com Macunaíma no poder. Não estou dizendo que carecemos de um “Messias”, de um salvador da pátria capaz de socorrer o país em um momento de crise. Não há “Messias” que sirva para a política e confiar na chegada de um produz sérios danos à democracia.
Um governante que não se enxergasse como infalível, que estivesse disposto a escutar recomendações e a encarar a realidade prática, já seria suficiente. Mas, de maneira oposta, nos restou Macunaíma, que nunca demonstrou disposição para percorrer caminhos tortuosos e árduos.
Parece mesmo que estamos diante de uma grande singularidade, mas não estamos. É parte integrante da cartilha de líderes populistas a insistência em oferecer soluções simples, de senso comum, para problemas complexos.
A retórica desses populistas funciona mais ou menos assim: “esses outros, esses intelectuais, esses especialistas querem é complicar a realidade para que vocês não possam compreender o que realmente está acontecendo. Mas EU estou aqui para dizer a vocês que a solução para toda essa bagunça é simples assim”. Soa familiar?
E, diante disso, nos deparamos com “soluções de mesa de bar” para problemas extremamente complexos – mas que segundo populistas, não são complexos, foram apenas complicados propositalmente por alguns grupos que estão contra eles. Por exemplo, diante de uma crise sanitária somos obrigados a escutar que a solução é simplesmente seguir a vida normalmente. Como é que ninguém pensou nisso antes? Pensaram, mas voltaram atrás porque perceberam que a catástrofe seria ainda maior. Mas “E daí?”
A crise da saúde pública ratifica a inaptidão do Presidente porque é uma crise que não se enquadra na lógica “Nós X Eles”, que é a única sob a qual ele é capaz de operar. Contudo, esse tipo de comportamento não é exclusivo da crise atual. A negação das dificuldades e complexidades da realidade prática é um componente do modo de fazer política do Presidente. Mas como assim é preciso que o Congresso aprove essa medida? Como assim o Judiciário se acha no direito de suspender minha decisão?
As negociações e compromissos que envolvem o exercício democrático não fazem parte da maneira como populistas gostam de conduzir o jogo. A aceitação da pluralidade tampouco. Toda e qualquer iniciativa do governo é revestida pela aura de “interesse nacional” ou “interesse do povo” e quem discorda está contra o Brasil. São os dissidentes, os inimigos.
Não sei, penso que se o Presidente pudesse “canetar” os cidadãos, igual fez com ex-membros do governo que ousaram discordar, cumprir o isolamento social seria fácil, pois sobrariam poucos. Mas a democracia não se faz com “canetadas”, é um jogo complexo que merece ser reconhecido como tal. A democracia não é para preguiçosos. Não é para Macunaímas. E políticos que se apresentam como redentores, como os únicos capazes de simplificar a realidade, é porque carecem de competência para lidar com ela.
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