O combate à pandemia e a crença nas mentiras governistas
O brasileiro nunca teve tanta convicção. É uma pena, no entanto, que seja uma convicção desdenhável, uma espécie de crença no absurdo. Nestas terras, acredita-se em perigos da vacinação, em vermífugos que curam vírus e alguns ousam até mesmo acreditar na integridade e competência de um presidente que condenou a própria população à morte, uma morte grupal, que muitos chamariam de extermínio ou genocídio.
A credulidade do brasileiro chegou a níveis dogmáticos. O culto a uma figura patética só se sustenta diante de uma inversão do processo cognitivo. Primeiro, tem-se um fato, que, na verdade, não passa de uma narrativa elaborada pelo presidente e seus partidários, depois é que vem o raciocínio, que serve apenas para justificar a premissa inicial. Ora, sempre me foi ensinado o contrário: primeiro viria o raciocínio que é justamente o que nos permite alcançar algum tipo de verdade.
Nesse contexto, no qual primeiro se consome a narrativa para depois buscar argumentos a fim de justificá-la, uma investigação das ações do governo diante da pandemia, tal como a realizada pela CPI da Covid no Senado Federal, não tem a capacidade de convencer nenhum fiel do presidente de que ele é um corrupto tresloucado que, não somente ignorou ofertas de vacinas, mas que também, supostamente, tentou lucrar com a morte. É evidente que uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) tem de investigar as causas da tragédia que foi o combate à pandemia no Brasil. Quem possui interesse na perda de vidas que poderiam ter sido salvas? Quem lucra política e economicamente com isso? Quais as provas que indicam um comportamento intencional e prejudicial ao controle da pandemia?
A CPI, por razões institucionais e legais, precisa se limitar a questões como essas. Contudo, não se pode perder de vista que por mais revoltante que seja a grande fraude arquitetada pelo governo brasileiro durante a pandemia, mais escandaloso ainda é o fato de tantas pessoas acreditarem nela. Notícias e narrativas mentirosas que promoveram tratamentos comprovadamente ineficazes e que minaram a confiança da população nas únicas formas de combate eficiente à pandemia encontraram um público disposto a consumi-la, e a grande questão é: por quê?
Quando Hannah Arendt escreveu sobre o afloramento do anti-semitismo na Alemanha pré-nazismo e na Alemanha nazista, ela deixa claro que a tarefa de um historiador não deve ser investigar uma fraude tão tosca quanto os “Protocolos do Sábio Sião” – documento que supostamente comprovava o complô dos judeus pela dominação mundial. A tarefa de um historiador deveria ser investigar o porquê de tantas pessoas acreditarem na veracidade dessa fraude absurda de forma a transformá-la em uma espécie de dogma. De maneira similar, é preciso avaliar como uma parcela relevante da população brasileira crê tão cegamente nas mentiras de um presidente que a condenou ao caos, mentiras essas que causaram e ampliaram esse caos. Este texto, no entanto, não traz as respostas para tal enigma, não somente porque me falta espaço, mas porque me foge também o conhecimento. Portanto, escrevo apenas com o objetivo de alertar que a crença no absurdo é ainda mais preocupante que o absurdo em si.