Crônica: Um descanso no meio do mato
Cinco horas da tarde de uma sexta-feira, a cidade esgota mesmo os autoproclamados “citadinos”, sujeitos um tanto cheios de si simplesmente porque podem dar uma voltinha no shopping, comer em um self-service de má-qualidade de comida de japonesa ou escutar as notícias em meio ao trânsito no caminho para casa. A cidade tem todo um charme.
Contudo, ainda assim falta ar aos citadinos conforme o sábado se aproxima, e começa a pairar no ar a ideia de escapar um pouco da “balbúrdia” urbana e o destino natural é então o mato, a natureza… quem nasceu na cidade adora falar que vai para o mato descansar. Comigo não foi diferente, fui no sábado cedo, com três amigos, para o meio da natureza, toda uma aventura de fim de semana.
Chegando no meio do mato, descemos do carro com toda a atenção necessária, afinal, não estávamos mais em nosso habitat natural, todo cuidado é pouco em zonas desconhecidas. Tudo bem que o ambiente não era tão desconhecido assim, estávamos no sítio do tio de Pedro – mas no mato, é preciso que fique claro.
Pois bem, descemos do carro e cada um levou a mala para o próprio quarto. Antes de começar a preparar o almoço decidimos tomar um banho, para chegar no meio do mato o caminho é longo e cansa, duas horas de carro, um banho cairia bem. Liguei o chuveiro e a água custou a esquentar, mas eu não me incomodei porque agora estava no meio da natureza, portanto, estava ciente de que teria de abrir mão de certas comodidades. O meu espírito aventureiro é conhecido pela resiliência.
Tomado o banho, fomos logo preparar o almoço. O caseiro sabia que chegaríamos no sábado e havia deixado um suco na geladeira. Era um suco de maracujá, natural, com caroço e tudo, desse tipo de coisa que a gente só encontra quando estamos dispostos a passar um tempo junto à natureza. Nada de suco de caixa ou em pó, quem se aventura no meio do mato é recompensado com as coisas mais deliciosas e simples que a terra tem a nos oferecer.
Pegamos então o macarrão que estava guardado na despensa e enchemos uma panela de água. O fogão ascendia apenas com o fósforo, mas já sabíamos como ligá-lo, afinal, não era nossa primeira vez no meio do mato. Claro, ligar o fogão com o fósforo não é tão difícil quanto acender uma fogueira, mas não é tão diferente assim também. É preciso uma certa agilidade para não queimar os dedos, mas estávamos acostumados, afinal, não era nossa primeira vez no meio do mato.
Arrumei a mesa e quando o macarrão ficou pronto sentamos todos para almoçar. Havia um inseto gigantesco em cima da mesa, um besouro voador, era como se estivéssemos dentro da trama de Kafka na qual o jovem George Samsa é transformado em um inseto gigante. Não estávamos, quero dizer, dentro de um livro, mas sim em meio a natureza e sabíamos que esse era o tipo de coisa com a qual teríamos que lidar naturalmente. Peguei então uma colher de pau e espantei o bicho para longe.
Demos início ao almoço com um pouco de vinho branco que ainda ainda estava meio quente, mas repito, quando na natureza, abrimos mão de certas comodidades e aprendemos a não nos incomodar tanto com aquilo que poderia nos importunar na cidade.
“Ah, eu largava tudo na cidade para morar na natureza” – disse Carolina.
“Nossa, sem pensar duas vezes” – respondi – “Não é preciso muito para ser feliz, e aos poucos a gente aprende a abrir mão do conforto, sabe?”.
“A natureza tem muito a oferecer mesmo” – completou Pedro.
Pedro estava acostumado as noites da cidade, não conseguia ficar uma semana sem tomar algum drink de fruta estrangeira – acho que é de raspberry que ele gosta. Eu sabia que ele não era tão desapegado assim. Não era como eu, que possuo uma maior facilidade em meio a natureza, que tomo suco de maracujá com caroço e tudo. Ele nem encostou no suco, e eu sabia que ele tinha problemas com a textura da semente na boca. Mas não disse nada, às vezes esse pessoal da cidade se empolga no meio do mato e se mete até a andar descalço, como se o fato de encostar o pé na grama já lhes transformassem em uma espécie de Tarzan.
Levantei da mesa para jogar no lixo uma bituca de cigarro que devia estar lá há dias. Foi quando eu vi a embalagem da polpa de suco de maracujá. Era industrial… tudo bem, estávamos em março e eu não sou obrigada a saber que não tem maracujá no mês de março. Mas senti como se toda a minha tentativa de reaproximação com a natureza e com as coisas simples da terra tivesse sido frustrada por essa polpa de suco inconveniente. Então escutei o grito de um vendedor de pamonha que passava em frente a casa e me dei conta que talvez Atibaia não fosse tão mato assim.
Comecei então a fantasiar uma estadia em um resort em Itacaré. Creme de cupuaçu na beira do mar, água direto do coco, até a piscina do hotel li em algum lugar que é de água salgada. Lá sim, seria natureza pura, puríssima, tipo suco de maracujá com caroço e tudo.
Otima