García Márquez

Gabriel García Márquez e a solidão da América Latina

Em alguns momentos é preciso buscar na vida motivos para escrever, em outros a vida se impõe sobre nós. Parece que foi isso que aconteceu, a vida tornou-se um grande acúmulo de tentativas incessantes e, por vezes fracassadas, de reagir a essa história que se constrói em nossa volta. Em um momento como este, narrativas próprias não passam de meras inconveniências. 

Falta criação, porque é inócuo tentar competir com aquilo que é verdadeiro. Gabriel García Márquez, ao receber o Prêmio Nobel da Literatura, discursou sobre a solidão da América Latina. Foi o escritor colombiano quem disse que “tivemos que pedir muito pouco à imaginação, porque para nós o maior desafio foi a insuficiência dos recursos convencionais para tornar nossa vida acreditável”. Seria esse, “o nó da nossa solidão”.

A insuficiência de recursos para tornar nossa vida acreditável. Essas palavras proferidas na Suécia em 1982, quando a América Latina ainda vivia sobre as sombras de governos ditatoriais, encontram ecos, talvez ainda mais ensurdecedores, quase quatro décadas mais tarde.

É que os fantasmas do nosso passado arrepiam mais do que o espírito de Prudêncio Aguillar que assombra José Arcadio Buendía em Cem Anos de Solidão. A loucura que habita mentes e corpos sãos em nosso presente impressiona mais do que os acessos de fúria e os desvarios que levaram José Arcadio a ser amarrado ao pé de um castanheiro para alí padecer. E não surpreenderá se a epidemia de esquecimento que acometeu a cidade de Macondo na obra de Gabo, vier a contaminar o nosso futuro. 

No final, o estilo de García Márquez, denominado “realismo fantástico”, talvez não passasse de um puro e simples realismo. Não aquele do século XIX, muito menos o dos franceses, mas um inteiramente adequado à realidade latino-americana. E diante da “insuficiência de recursos convencionais para tornar nossa vida acreditável”, Gabo foi condenado a recorrer a métodos extraordinários, ou mesmo, fantásticos.

Deste lado do Atlântico, temos que pedir muito pouco à imaginação porque a nossa realidade parece ser avessa ao tédio. E se não houvessem todos esses novos meios de comunicação instantânea, seria tarefa árdua convencer estrangeiros desta grande aventura que é o simples ato de existir neste pedaço do mundo. 

Mas a falta de tédio decretada nesta “pátria imensa de homens alucinados”, não conseguiu, até o momento, impedir que aqui também se vivam vidas terrenas, desprovidas ainda de qualquer caráter fantástico, ao menos aos olhos mais acostumados. Porque mesmo “diante da opressão, do saqueio e do abandono, nossa resposta é a vida”. Nem mesmo as pestes, segundo Gabo, “conseguiram reduzir a vantagem tenaz da vida sobre a morte”. Nem mesmo as pestes.

Aquilo que é fantástico aos olhares alheios, é o que há de mais verdadeiro, ainda que penosamente acreditável, neste continente. Não é atoa que os elementos fantasiosos da obra de Gabo, como assombrações, são encarados com naturalidade pelos personagens. Nossos olhos foram acostumados a tudo aquilo que parece ser mentiroso. São realistas as obras que apresentam nossas narrativas, e o fato de serem preenchidas com assombrações, monstros, epidemias e guerras, como Cem Anos de Solidão, é o que as torna verdadeiras. “Realismo fantástico” não, e quem cunhou esse termo, desconfio: era francês.

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