A censura moderna
Foi-se o tempo em que o controle hegemônico da informação por meio da censura à produção de qualquer material que estivesse em desacordo com as ideias defendidas pelo governo era pré-requisito para a implantação de um projeto autoritário. Essa censura óbvia e direta não é mais tão necessária. No século XXI, personagens autoritários desenvolveram novas técnicas de censura, muito mais sofisticadas e sutis do que as antigas batalhas pelo monopólio da informação.
A deslegitimação da imprensa
É verdade que ainda somos obrigados a conviver com muitos absurdos, como investigações de jornalistas por meio da invocação da Lei de Segurança Nacional. Talvez sejam resquícios do Império, quando falar mal do Imperador configurava gravíssima penalidade, ou quem sabe seja apenas produto da vaidade de um Presidente que parece sofrer de uma síndrome aristocrática. Não sei e pouco importa, porque, na realidade, as maiores conquistas do Presidente não advêm de suas incansáveis ameaças a profissionais da imprensa, mas sim da deslegitimação de todo e qualquer crítico.
A imprensa ainda é livre, lutemos para que ela continue assim. Mas de que vale uma imprensa livre se um público relevante não acredita no que ela tem a dizer? Personagens autoritários não precisam tolher imperativamente a liberdade de imprensa para produzir danos significativos a democracia. Eles precisam apenas convencer seus apoiadores de que a mídia e seus críticos estão unidos em torno de um único objetivo: impedir que o Presidente coloque em prática seu projeto de país – o que é muito conveniente pois, uma vez que não existe projeto algum, ao menos eles têm a quem culpar.
Para a censura moderna, já não é mais necessário abafar as vozes dos críticos, basta que o público não esteja disposto a escutá-las. Ao invés de calar as bocas, tapam-se os ouvidos. O resultado é o mesmo.
Antagonismo e impossibilidade da crítica
Nesse contexto, a imprensa é deslegitimada e condenada às margens do universo de apoiadores do Presidente que, consequentemente, acaba por tornar-se infalível pois quem o critica é desonesto e quem acredita é manipulado. Em uma sociedade regida por um antagonismo pernicioso em que a oposição é entendida como inimigo, qualquer crítico pode ser encaixado em uma categoria que o descredibiliza.
Por exemplo, se para o Presidente a esquerda é vista como o mal absoluto que deve ser purgado da política, qualquer crítico será encaixado na esquerda. Por isso a elasticidade impressionante do termo, que passou a englobar conservadores ferrenhos e bastiões do liberalismo econômico.
Quando a política é orientada por um antagonismo fatal, os críticos podem até gritar, mas o gritos serão reservados ao vácuo, onde nada se escuta. E aos poucos, indivíduos incompetentes se tornam qualificados, políticas desastrosas são sempre produto da ação de outros e a tolice de “quem fala sem pensar” é substituída pela coragem de “quem fala o que pensa”.