“Me acudam que sinão eu mato!”: reafirmação de autoridade e ameaças presidenciais
Mário de Andrade certamente não poderia imaginar que a curta saga de Macunaíma guardaria tantas semelhanças com um Presidente brasileiro quase um século depois. Originalíssima na escrita, a obra de ficção deveria pagar direitos autorais ao futuro – o que é impensável – mas como vivemos em tempos loucos, não descartaria a hipótese.
No início do livro, Macunaíma, que ainda vivia no fundo da mata brasileira, se envolve em uma briga violenta com uma índia amazona – Ci, Mãe do Mato – após a moça decidir não ceder aos seus desejos. Mas no meio do confronto Macunaíma sai correndo e clamando pelos irmãos: “me acudam que sinão eu mato!”, gritava o herói. A ironia, contudo, é que Macunaíma não estava prestes a matar ninguém. Macunaíma estava era apanhando da índia que lhe dera “um murro de fazer sangue no nariz”.
Mas é aí que está a genialidade de Mário de Andrade. Macunaíma, o herói às avessas, não poderia admitir que estava apanhando e em uma atitude dissimulada foge da luta para pedir ajuda aos irmãos. No entanto, o herói insiste em um tom de ameaça, como se pecasse pelo excesso, e não pela falta de força e habilidade.
Não ficou claro, ao menos não para mim, se Macunaíma decide fingir que estava prestes a matar a índia ou se, cego por uma mistura de vaidade e ingenuidade, o herói realmente acreditava que era perigosamente forte e hábil. Assim como até hoje tenho dúvidas se o atual Presidente da República se enxerga como infalível e “todo poderoso”, tendo sido consumido pela própria arrogância, ou se ele apenas simula possuir uma autoridade esmagadora, justamente porque percebe uma desmoralização progressiva da própria imagem.
Afinal, a incansável reafirmação da própria autoridade, somada a ameaças constantes à ordem democrática, se tornou característica marcante do Presidente, que parece realmente ter perdido as rédeas do governo ou que simplesmente não aceita que não pode governar um país como se governasse a própria casa – ou clã.
“Eu tenho o poder de veto, ou vou ser um presidente banana agora?”, “O presidente sou eu pô, o presidente sou eu”, “Vai chegar a hora deles, porque a minha caneta funciona”, “Quem manda sou eu, e eu quero o Ramagem lá”, “Eles (STF) estão abusando […] está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”. Esses são apenas alguns exemplos de que, assim como Macunaíma, quando o Presidente é contestado, ele não se acomoda, ele dobra a aposta – ainda que lhe falte combustível político para tal. A reafirmação de autoridade e as ameaças são constantes do Planalto.
Não sei se é vaidade ou dissimulação. O fato é que pouco importa se a popularidade está em queda, pouco importa se diversas investigações atingem seu entorno e pouco importa os sucessivos fracassos que, com o tempo, se tornaram literalmente fatais – para a população, é claro – o Presidente não admite descer do palanque. Completamente acuado e desmoralizado, mas muito pretensioso para admiti-lo, é como se gritasse “me acudam que sinão eu mato!”.
Gostou do texto? Você pode encontrar a Parte 1 da saga “O governo sem nenhum caráter” aqui e a Parte 2 aqui.