O falso rei brasileiro: não deve haver espaço para discurso antidemocrático
O avanço do discurso antidemocrático preocupa. Bolsonaro não é rei e, contrariamente do que pensa, também não possui súditos, sendo ele o maior subordinado de todos. Afinal, em uma democracia, o Presidente não é soberano, soberano é o povo a quem ele deveria servir.
O atual governante, no entanto, parece sofrer de uma síndrome aristocrática, chegando até mesmo a reproduzir a máxima do rei francês Luís XIV – “o Estado sou eu”. Mas para evitar um plágio embaraçoso fez uma alteração desleixada e a frase ficou “eu sou a constituição”, o que não é menos preocupante. O discurso antidemocrático cresce desenvergonhado.
Bolsonaro acredita viver em um conto de fadas, mas talvez essa fantasia não esteja assim tão distante da realidade. Na versão de Hans Christian Andersen, o conto “A roupa nova do rei” narra a história de um monarca extremamente vaidoso, que se preocupava mais com suas roupas do que com seu trabalho.
Em certa ocasião, dois vigaristas chegaram no reino e, ao aprenderem sobre a obsessão do rei em relação à própria imagem, decidiram dar um golpe. Fingindo serem tecelões, afirmaram que poderiam tecer para o rei um traje especial que não somente era magnífico, mas que também se tornava invisível aos olhos dos tolos, dos presunçosos e daqueles que não possuem a capacidade para desempenhar as próprias funções.
O rei achou a ideia brilhante e pagou uma fortuna para que os vigaristas passassem dias fingindo tecer um traje maravilhoso. Evidentemente não havia roupa alguma, mas toda vez que o rei enviava um súdito para conferir como andava a confecção de suas roupas, todos fingiam enxergar um lindo tecido, porque tinham medo de serem reconhecidos como tolos ou incapazes.
Por fim, nem mesmo o rei foi capaz de admitir que não enxergava roupa alguma, pois também não queria ser taxado de tolo ou incapaz. Assim, foi organizado um grande desfile onde o rei poderia estrear suas roupas.
O dia do desfile chegou, e o rei fingiu vestir o traje que não enxergava e saiu desfilando completamente nu pelas ruas da cidade, porque isso não poderia ser pior do que ser julgado como tolo ou inapto. Surpreendentemente, todos os habitantes do reino, com medo de serem os únicos a não enxergarem a roupa, também fingiam vê-la. Até que uma inocente criança gritou “o rei está nu” e todos começaram a rir e a ecoar que o rei realmente estava nu. Porém, o monarca presunçoso e vaidoso continuou a desfilar, como se o louco não fosse ele, mas todos os outros.
Como no conto de Andersen, o nosso pseudo-rei brasileiro é vítima de sua própria vaidade, que o fez tolo e incapaz. Mas, infelizmente, não parece estar sozinho, tendo sido cercado por uma corte que, sendo tão vaidosa quanto ele, não aceita admitir que seu soberano simplesmente não possui condições para exercer as funções que se esperam dele.
Ministros que ainda não abandonaram o barco, ou que são simplesmente tão delirantes quanto o presidente, deputados que agora decidiram negociar seu apoio ao governo e eleitores que ainda não admitem a inaptidão de seu candidato. Todos contribuem para que Bolsonaro desfile completamente nu pelo país que governa, reproduzindo absurdos e envergonhando o Brasil frente ao resto do mundo.
Em função dessa insistência em se aceitar o inaceitável, muitos ainda não tratam com o devido desprezo atitudes que comprovam, não apenas o caráter autoritário do Presidente da República, mas sua total inabilidade para governar um país. Parece que expandimos todas as fronteiras do tolerável para tentarmos dissimular uma normalidade política que já não nos pertence e para, por fim, fingirmos que o rei ainda veste roupas.
A vaidade não cobre o caráter, apenas o desnuda, e o Brasil é governado por um homem nu. Todos conseguem ver, porém muitos não admitem. Mas que fique claro que, diferentemente do conto de Andersen, aqui sempre houve sujeitos apontando a nudez do pseudo-rei e de sua corte. Mas o discurso antidemocrático continua a crescer, e meu medo é que quando todos começarem a rir talvez seja apenas para esconder o choro.
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